Em alta dose de criatividade é exigida de todos aqueles que trabalham na indústria aeronáutica, desde o fresador que usina uma peça complexa na linha de fabricação até o engenheiro projetista de alto nível, que tem como meta a concepção das formas esguias e aerodinâmicas de um novo avião.

Criatividade é o que não falta, nunca faltou aliás, no ex-chefe da Seção de Anteprojeto da EMBRAER, Eng. Hans Hermann Swoboda, que se aposentou no ano passado, aos 65 anos de idade.

Demonstrando uma vitalidade impressionante e uma crença no trabalho digna de servir de exemplo, Swoboda, ao deixar a indústria aeronáutica, a que dedicou toda sua vida, decidiu começar uma nova carreira: a de pintor.

Aliás ele mesmo tem dúvidas ao auto definir-se.

Não sei se sou um pintor que deixou a carreira para dedicar-se ao projeto de aeronaves ou se na verdade, sou um projetista que nunca deixou de ser pintor“.

A verdade é que a pintura, o amor à arte da palheta, dos pincéis e tintas, nunca deixou de fazer parte da vida de Swoboda, embora tenha sempre feito maior sucesso como projetista de aeronaves.

Nasceu a 25 de março de 1910, em Berlim, filho de um médico famoso na capital alemã. Entretanto, aos 14 anos morreu-lhe os pais e Swoboda, com muito esforço, conseguiu formar-se, em 1933 como Engenheiro Aeronáutico, iniciando-se ao mesmo tempo, como pintor.

Mas seu talento de projetista e as necessidades de sobrevivência, naquele período bastante conturbado da história da sua terra natal, obrigaram Swoboda a deixar de lado a arte, para trabalhar na Focke-Wulf, onde fez parte de várias equipes responsáveis pelo projeto e desenvolvimento de vários aviões, que transformariam a Alemanha em uma das maiores potências aeronáuticas mundo naquela década.

Mas seu gênio pacifista fez com que, em 1938, deixasse a Focke-Wulf, empenhada em produzir quase que exclusivamente aviões de guerra, para tentar um empreendimento próprio: uma fábrica de aviões civis de pequeno porte. Nessa indústria, chegou a projetar e a fabricar um avião de treinamento que não chegou a entrar em fabricação seriada uma vez que em 1939 irrompeu a II Guerra Mundial, e Swoboda foi convocado para trabalhar na fábrica Focke-Achgelis, especializada no projeto e desenvolvimento de helicópteros.

Quando aquela indústria foi tomada pelas tropas aliadas, Swoboda, juntamente com um grupo de técnicos alemães que ali trabalhavam foi levado clandestinamente para Paris.

Trabalhou durante os anos seguintes na França e Inglaterra, fazendo parte de várias equipes de projetistas. Na capital francesa, recém-saída dos horrores da guerra, Swoboda encontrou um pouco de tranquilidade, que lhe permitiu voltar a pintar. São dessa época várias aquarelas de uma beleza. nostálgica e triste. Participou então de várias exposições nos Champs-Élysées, quando chegou a ficar em evidência entre os artistas da época. Mas, as tarefas nas fábricas continuavam a exigir-lhe a maior parte do tempo disponível.

Em 1952, entusiasma-se pela possibilidade de vir trabalhar no Brasil, no recém criado Instituto Tecnológico de Aeronáutica, primeiro embrião que iria resultar na implantação da indústria aeronáutica em terras brasileiras. O trabalho pioneiro entusiasma o espírito jovem de Swoboda e ele deixa definitivamente a Europa, vindo a optar mais tarde, pela cidadania brasileira.

Em São José dos Campos, as aulas no ITA e os trabalhos resultaram na execução de vários programas no Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento do Centro Técnico Aeroespacial, inclusive o da fabricação do primeiro helicóptero brasileiro “Beija Flor”, lhe tomam quase todo o tempo disponível. Mesmo assim, nos raros momentos que lhe são dados, encantado com a beleza de nossas praias, Swoboda pinta uma série de óleos (marinhas) que conseguem transmitir com fidelidade impressionante o encanto quase mágico das praias primitivas do litoral norte paulista, do Espírito Santo e da Bahia.

Mas começa Swoboda a viver uma nova fase como artista. O progresso tecnológico o impressiona vivamente. As transformações em que mergulha o mundo na década de 50 o marcam de maneira profunda. Esse homem singular, sempre preocupado com o destino da humanidade, com a sobrevivência da fauna e da flora do país que adotou como seu, começa a pintar quadros que retratam sua preocupação com o futuro que tanto pode ser de extraordinário progresso como de caos e destruição.

A Conquista do Espaço e as obras de vários autores de ficção científica, a que ele dedica leitura entusiasmada, fazem-no deixar as marinhas clássicas para ingressar num extraordinário mundo a que ele chama de quase surrealismo.

Digo que meus quadros dessa fase passam a ser quase surrealistas por que mostram coisas que podem acontecer, mas que não deixam de ter um toque espiritual, de misticismo surrealista mesmo. São mergulhos quase completos do mundo da fantasia, do irreal, mas que não chegam às formas totalmente despidas de contato com a realidade apresentadas pelo surrealismo“.

Com o crescimento da cidade que adotou como sua, São José dos Campos, em virtude do surto de instalações de indústrias, Swoboda torna-se um pouco mais conhecido, e começa a participar de algumas exposições, sempre como convidado, uma vez que seu trabalho não lhe permite uma vida social mais intensa, que lhe traga os benefícios que seriam de se esperar na carreira de um artista tão extraordinário.

Não tem quase tempo para dedicar-se à arte. O projeto Bandeirante resulta em sucesso e a criação da Embraer, o início de seu funcionamento, o entusiasmam ainda mais.

Como chefe do setor de anteprojeto, ativamente da concepção, desenho, desenvolvimento e construção dos protótipos de diversos aviões brasileiros tais como o Bandeirante, o Ipanema, e os membros da família de pressurizados da EMBRAER, o Xingu, Tapajós e Araguaia.

Mas, em 1975, aos 65 anos de idade, embora a empresa reclame ainda sua importante colaboração. Swoboda toma uma decisão definitiva: Resolve deixar a EMBRAER para dedicar-se exclusivamente à pintura.

Aposenta-se, alvo de homenagem de todos os que participam da arrancada para o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira.

Agora, com tempo suficiente, a sua produção artística cresce de maneira extraordinária: participa de várias exposições do Vale do Paraíba, toma parte de movimentos artísticos e culturais da região e realiza duas exposições individuais em São José dos Campos.

Entrevista para o canal 13, com o sr. Claudio Marques entrevistando Swoboda, em 11/10/1975

Em novembro último é convidado para apresentar-se na TV (Canal 13), onde mostra seus quadros em um programa que é visto pelos dirigentes do Banco Itaú, que imediatamente o convidam para uma “individual” na galeria mantida pela organização, em São Paulo.

Para essa mostra Swoboda preparou vários e novos quadros, que ele mantém na sua espaçosa residência, situada nos flancos das colinas que dão para o “Banhado” e para os arrozais que margeiam o rio Paraíba. A maioria apresenta formas geométricas, envolta por cores que deixam o visitante impressionado pela suavidade sempre presente, aliada a uma vivacidade que parecem dotá-las quase que de movimento. Os demais quadros apresentam temas liga- dos à aeronáutica ou ao espaço, alguns dotados de extraordinária força. Diante de um quadro, “São Paulo 3001” é forçado deter- se um pouco. A visão pessimista que às vezes assalta Swoboda com relação ao futuro do homem do planeta, o fez pintar a capital paulista toda coberta de areia cadente de onde somente surgem o topo das ruínas do Edifício Itália e a do Banco do Estado.

Infelizmente não posso deixar de ser bastante pessimista quando vejo os homens gastando bilhões em armamentos. Werner Von Braun afirmou que se houvesse outros homens como Kennedy seria possível chegar a Marte, ainda nesta década, gastando-se menos do que se gastou na conquista da Lua. Entretanto, os homens ainda preferem de- dicar-se a lutas fraticidas e à fabricação de armamentos cada vez mais mortíferos.”

Jornal Agora, 07 de março de 1976

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