Bancada para ensaios do grupo motopropulsor do Convertiplano.

O “Convertiplano” um projeto brasileiro para a fabricação de um avião capaz de levantar voo e pousar verticalmente, como os helicópteros, foi desenvolvido, há 25 anos no Centro Técnico de Aeronáutica em São José dos Campos, e abandonado por falta de verbas. Hoje os norte-americanos lançam a sua versão, que se parece muito ao plano brasileiro.

Uma cerimônia festiva marcou, no último dia 22 de outubro, a primeira apresentação pública da nova aeronave norte-americana Bell XV-15, capaz de levantar voo e pousar verticalmente como os helicópteros, e voar como um avião comum.

Pelo programa atual, dois exemplares desse aparelho experimental serão construídos pela fábrica Bell Helicopter Textron, e depois testados por conta do Exército dos Estados Unidos. E no discurso de entrega da aeronave o representante daquela indústria norte-americana lembrou os problemas técnicos que os engenheiros de sua equipe precisaram superar para construir tal tipo de avião híbrido. Entretanto, ele talvez não saiba e nem a maioria dos brasileiros que vinte e cinco anos atrás o Brasil construiu e experimentou outro aviã semelhante, cujo projeto teve de ser abandonado por falta de verbas. Foi o “Convertiplano”, o primeiro programa importante do então recém-criado Centro Técnico de Aeronáutica, atual Centro Técnico Aeroespacial, de São José dos Campos.

Foi um alemão, chamado Henrich Focke, quem imaginou tal tipo de aeronave e quem acabou tornando possível a sua fabricação, primeiro no Brasil, e depois nos Estados Unidos.

“Herr” Focke nasceu na Alemanha, em 1895, e cresceu junto com a aviação, numa Europa onde o avião era o grande objetivo de tantos outros pioneiros. Ele ganhou, na dura escola da experiência prática, aqueles conhecimentos que hoje em dia os engenheiros aeronáuticos adquirem na universidade.

Terminada a Primeira Guerra Mundial, em 1918, ele começou a projetar suas próprias aeronaves e acabou se juntando a outro desenhista, e colega “herr” Wulf, para fundar, em 1924, a Focke-Wulf Flugzeugbau AG, uma das mais bem sucedidas fábricas de aviões da Europa.

No início a empresa construiu apenas aviões de transporte e hidraviões. Mas em 1934 Henrich Focke começou a se interessar pelos aviões de asa rotativa autogiros e helicópteros cujas possibilidades operacionais não escaparam à sua visão de homem prático.

Hans Swoboda, outro alemão que mais tarde viria para o Brasil e acabaria trabalhando na Embraer, lembra bem daquela época:

Quando eu entrei para a fábrica Focke-Wulf, em 1934, muita coisa já tinha mudado. Wulf morrera e um jovem e ambicioso engenheiro chamado Kurt Tank havia ingressado na firma, e ganhava prestígio a olhos vistos. Tanto ele como Focke tinham personalidade forte e nenhum gostava de acatar as ideias do outro. E talvez essa tensão tenha sido a responsável pela sua posterior separação“.

Essa cisão ocorreu quatro anos mais tarde, quando Henrich Focke deixou a Focke-Wulf para formar, em Bremen, a empresa Focke-Achgelis, especializada no projeto e na construção de helicópteros.

Alguns dos modelos que construiu foram efetivamente empregados pela Luftwaffe durante a II Guerra Mundial. Mas a Guerra terminou e Focke foi obrigado a buscar, fora da Alemanha destruída, os recursos para continuar suas pesquisas. Viajou para a França, em 1946. Em 1949, terminado seu contato com os franceses, foi para a Inglaterra, onde ficou mais um ano, seguindo finalmente para a Holanda, contratado pelas indústrias Fokker.

Na Holanda ele estava preparando os esboços iniciais do seu revolucionário avião-helicóptero quando os brasileiros o descobriram e contrataram.

Um plano do CTA

Isso aconteceu em 1951. No Brasil os criadores e entusiastas do recém-criado Centro Técnico de Aeronáutica buscavam arregimentar homens experientes e projetos ambiciosos para dar maior ímpeto às pesquisas brasileiras no setor, até aquela época quase unicamente limitadas ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas, de São Paulo. Não que o ITA. o primeiro dos Institutos do CTA, estivesse parado, mas faltava algo “grande” para comover aqueles setores do governo Federal que ainda estavam céticos quanto às possibilidades dos brasileiros para projetar e construir aviões. E o prof. Focke tinha ambos: experiência profissional e um plano grandioso, uma aeronave capaz de superar a ausência de bons campos de pouso no Brasil com a sua capacidade de subir verticalmente.

Por isso, em 1951, o cel. eng.º Aldo Weber Vieira da Rosa viajou até a Holanda, e convidou o prof. Focke a visitar o Brasil. Ele veio, examinou as incipientes instalações do CTA, discutiu detalhes e regressou a Europa. Em 1952 voltou ao Brasil, para ficar.

O Projeto Convertiplano

A vinda do prof. Focke produziu o efeito esperado: movimentou gente, atraiu verbas e recursos do governo e apressou a construção, em São José dos Campos, de novas instalações, escritórios, laboratórios e hangares. Também toda uma nova equipe foi formada, incluindo “herr” Focke e cerca de vinte especialistas por ele trazidos da Europa, uma dúzia de técnicos estrangeiros que já residiam no Brasil e outros tantos técnicos e engenheiros brasileiros, que pela primeira vez tinham a oportunidade de participar de um programa aeronáutico daquelas proporções. Em fins de 1952 a equipe já incluía mais de 40 pessoas, abrigadas no mesmo prédio onde doze anos depois, em 1964, seria projetado o avião “Bandeirante”.

O programa recebeu o nome oficial de Projeto Convertiplano e passou a ser observado com atenção pelo Ministério da Aeronáutica. Ele era a prova de fogo para o futuro do CTA.

Problemas e resultados

Naquela época também se investigava, na Inglaterra e nos Estados Unidos, a possibilidade de construir aparelhos semelhantes. Mas por incrível que pareça a melhor equipe e as maiores verbas estavam no Brasil. E foi no Brasil que surgiram os primeiros resultados práticos.

Focke mandara buscar, na Inglaterra, um caça “Spitfire” de segunda mão. Conservou suas asas e lemes, mas redesenhou uma fuselagem inteiramente nova para ele, dentro do projeto do Convertiplano. Pretendia também comprar, na Inglaterra, uma turbina “Double Mamba”. Mas os ingleses não quiseram vendê-la, por considerá-la ainda “secreta”. Por isso a equipe de São José teve de utilizar um grande e pesado motor radial norte-americano Wright, de 2200 Hp, idêntico àquele utilizado nos aviões “Constellation”, os maiores que existiam no Brasil.

O grande e volumoso motor foi fixado no centro da fuselagem, atrás da cabina do piloto. E recebeu uma caixa de transmissão com eixos de força para trás e para frente, cada um deles ligado, por outros eixos móveis, às quatro hélices cuja posição determinaria a subida, o voo e a descida do aparelho.

Em meados de 1953 o Programa alcançou seu máximo de atividade, empregando mais de 50 pessoas e mais de 60% da verba do CTA.

Um banco de provas estáticas foi construído e nele o sistema propulsivo do “Convertiplano” foi submetido a mais de três mil horas de testes. E foi durante esses testes que se conseguiu solucionar o problema das vibrações causadas pelos longos eixos transmissores. Até a firma BMW alemã, que fabricara os dois eixos principais, enviou um especialista para ajudar a equipe brasileira.

Em fins de 1953 o sistema propulsivo estava pronto, o motor “afinado” e o avião construído. Faltava apenas adaptar um ao outro e iniciar os testes de voo. Mas, naquela época, também começaram a faltar os recursos. Cerca de 8 milhões de dólares já tinham sido aplicados no programa, que entretanto não apresentara nenhum resultado “visível” espetacular. E o Ministério da Aeronáutica, preocupado com o reequipamento da Força Aérea Brasileira, começou a reduzir as verbas destinadas ao Programa Convertiplano.

O Fim de Um Sonho

Em 1974 os técnicos alemães começaram a voltar a Europa, à medida que seus contratos terminavam e não eram renovados. E os poucos especialistas brasileiros, sobrecarregados de serviço e sem verbas suficientes começaram a reduzir o ritmo de trabalho.

Naquela época o eng. Kurt Tank passou pelo Brasil, mas não quis ficar. Ele fez uma rápida visita a São José dos Campos e acabou viajando para a Argentina, onde projetaria, dois anos mais tarde, o jato de combate “Pulqui II”. Não somente o governo de Buenos Aires podia, naquela época, oferecer mais verbas como também ele foi hostilizado pelo prof. Henrich Focke, com quem nunca se dera bem.

E assim, tão discreta e silenciosamente como nascera, morreu o Projeto Convertiplano. Focke e alguns auxiliares viajaram para os Estados Unidos e Europa, para continuar trabalhando em aeronaves de decolagem vertical. No Brasil ficaram alguns especialistas europeus, e uma primeira geração de excelentes engenheiros aeronáuticos, hoje todos em posições importantes nas principais fábricas brasileiras de aviões.

Ficou também a experiência numa série de importantes setores da pesquisa aeronáutica. Direta ou indiretamente, todos os programas seguintes desenvolvidos pelo CTA trouxeram de algum modo a marca do gênio de Henrich Focke.

 

Jornal O Estado de São Paulo, 28 de novembro de 1976

O modelo norte-americano.
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