O pintor das aventuras espaciais
Dono de uma técnica perfeita e minuciosa, o engenheiro e artista plástico Hanns H. Swoboda realizou recentemente em São José duas exposições onde mostrou cerca de oitenta trabalhos. Nascido em Berlim em 1910, ele veio para o Brasil em 1952 e participou do projeto da primeira aeronave construída na América Latina, o Bandeirante.
Vivendo há 30 anos em São José dos Campos, o engenheiro Hans H. Swoboda, 77 anos, é mais joseense do que muita gente. Afinal de contas, melhor do que ninguém, ele viu a cidade crescer, quando aqui chegou para trabalhar na Embraer e fazer o primeiro Bandeirante. Hoje, aposentado, na tranquilidade de uma bela casa no sofisticado bairro do Esplanada, Swoboda voltou a uma antiga paixão: a pintura. Seus quadros, espalhados pela casa, revelam um universo cósmico que impressiona pelo conteúdo (astronautas, seres de outros planetas) e por uma técnica perfeita. Sotaque arrastado, de um alemão nascido em 1910, em Berlim, Swoboda confessa que essa técnica considerada perfeita é da profissão de engenheiro. Se bem que é tudo mesmo uma questão de sensibilidade. “Acho que engenheiro e artista misturam-se, criam universos próprios. Minha arte não tem um caminho definido. São vários caminhos. Por isso mesmo, ela pode impressionar as pessoas. Porque o mundo hoje é encaminhado para um único resultado. Eu consigo vários resultados e não sei como definir a minha arte, num único caminho”.
De Berlim, para São José
Extremamente organizado, Swoboda vai mostrando em grandes e bem arrumadas pastas, que ele guarda com carinho, em sua casa, muito da sua movimentada vida. São centenas de fotos, críticas, recortes de jornais. Numa dessas fotos, ele está com o engenheiro Werner von Braun, que foi seu grande amigo. O cientista von Braun fugiu da Alemanha nazista para os Estados Unidos, numa tumultuada viagem que é mistério até hoje.
Conta Swoboda que:
— Nasci em 1910 em Berlim. Tornei-me engenheiro da aeronáutica e exerci minha profissão até 1945 na Alemanha e depois fui contratado para a França, onde trabalhei dois anos e meio em Paris. Em seguida fiz um contrato para a Inglaterra. Em 1952 fui trabalhar para o Brasil como especialista em helicópteros. Trabalhei no CTA, como chefe de escritório do projeto durante a criação do Bandeirante, que gerou a própria criação da Embraer. Como projetista, tendo criado durante toda a vida formas espaciais, funcionais, tive aí a base do equilíbrio e harmonia dos meus quadros. Procuro a beleza geralmente em composições de formas simples, concretas, aproveitando o efeito tridimensional. O futuro e o espaço fazem parte do motivo dos meus quadros.
Nos quadros de Swoboda há muito do seu extremado pacifismo. Ele se define como pacifista e hoje, brasileiro, naturalizado, lembra “os horrores da guerra, quando vi minha casa destruída em Berlim“. Olhando para o futuro, ele não é nada otimista: “é muito ruim; o homem está cada vez mais fabricando armas“. Aos 18 anos, em Berlim, Swoboda começou a pintar bucólicas paisagens. Mas o impacto terrível da guerra, deixou nele marcas profundas: seu gênio pacifista fez com que ele em 1938 deixasse a Focke-Wult, empenhada naquela época em fabricar aviões para a guerra. O sonho do engenheiro artista Swoboda sempre foi outro.
Nessa época ele fundou uma empresa de porte médio para a fabricação de aviões de pequeno porte. Mas as tropas aliadas ao nazismo invadiram a sua empresa e ele foi, juntamente com amigos, clandestinamente para Paris. Em Paris, o artista pode finalmente voltar a pintar. São dessa época suas aquarelas que chegou a expor nas ruas dos Champs Elisés. Conheceu muitos artistas em Paris. Mas então surgiu o Brasil, como um sonho possível, onde poderia viver longe “bem longe” diz ele, da agonia da guerra.
“Beija-flor” no Brasil
Quando chegou ao Brasil em 1952, o jovem engenheiro Swoboda encantou-se com a nossa paisagem do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Ele fixou-se em São José dos Campos, onde executou vários projetos, inclusive do helicóptero “Beija-Flor”. Aos finais de semana, o engenheiro transformava-se no artista e Swoboda viajava para as praias do Litoral Norte, onde pintava marinhas, impressionado “com o encanto daquela beleza“. Na época, o Litoral Norte era ainda bastante selvagem em suas paisagens caiçaras. Mas a transformação porque passava o Brasil e particularmente São José dos Campos, entusiasmou também o artista Swoboda que passou a produzir quadros inspirados nessa realidade cósmica e tecnológica. Os quadros de Swoboda causam grande impacto em São José dos Campos, onde na época os artistas eram quase todos apenas paisagistas. Em 1979, ele dava um polêmico depoimento ao Valeparaibano, então um pequeno e provinciano jornal. Dizia o artista Swoboda: “Digo que meus quadros dessa época passam a ser quase surrealistas porque mostram coisas que podem acontecer, mas que não deixam de ter um toque espiritual, de misticismo, surrealista mesmo. São mergulhos quase completos no mundo da fantasia, do irreal, mas que não chegam às formas totalmente despidas de contato com a realidade apresentadas pelo surrealismo“. Essa declaração de Swoboda causou quase impacto no meio artístico e intelectual joseense, que inclusive marginalizou um pouco o artista do seu convívio. Swoboda era visto mais como um simples engenheiro que pintava aos finais de semana. Embora não revele, ele guarda uma certa mágoa desse provinciano raciocínio, pois considerou-se sempre um artista, desde suas origens em Berlim.
Apenas um pintor
Em 1975, Swoboda resolveu ceder a um apelo mais íntimo: ser apenas artista. Ele resolveu deixar definitivamente a Embraer para dedicar-se a arte. Sua decisão causou celeuma na empresa, que até hoje reconhece a importância dele na indústria aeronáutica de São José dos Campos. Homenageado pela Embraer, com todas as glórias, Swoboda resolveu trancar-se em casa para criar o seu universo artístico místico, cósmico, polêmico e que nos últimos anos foi descoberto e muito elogiado por críticos de artes plásticas dos grandes centros, como Rio e São Paulo. Na década de 70, Swoboda, então um artista desconhecido em São Paulo, expôs na capital e causou grande impacto com uma tela chamada “São Paulo 3001”, onde a cidade aparecia inteiramente coberta de areia, menos as ruínas do Edifício Itália e do Banco do Estado. Essa tela deixou os críticos da época bem impressionados, principalmente porque ainda não havia a invasão de filmes, vídeos de ficção científica.
Sentado em sua casa, na tranquilidade de muitos livros e obras de arte, Swoboda olha suas paisagens cósmicas e diz, triste: “Werner von Braun afirmou que se houvesse outros homens como Kennedy seria possível chegar ainda nesta década em Marte, gastando-se menos que se gastou na conquista da lua. Entretanto os homens ainda preferem dedicar-se a lutas fraticídas e à fabricação de armamentos cada vez mais mortíferos. Infelizmente”
Valeparaibano, 1982
Texto: Dailor Varela
Fotos: Adenir Brito